Saturday, October 21, 2006

Teatro Evangélico-Um Ministério Metalinguístico


Está enganado aquele que tenta desentender o teatro evangélico como outra coisa que não uma arte apta a veicular a mensagem bíblica, através da estética das palavras e da representação.
Não se trata de exacerbação experimentalista, pelo contrário, entendemos que a arte dramática é um ministério metalinguístico com um código de comunicação variado. Pode ir e vai além mesmo da linguagem corrente, tratando dos dramas e conflitos humanos.
No Velho Testamento, a encenação, a representação e as palavras dramatizadas são tão antigas quanto a poesia hebraica.
As encenações seguintes, ambas determinadas pelo Senhor ao profeta Ezequiel, são, por assim dizer, um script de experiências onde se estrutura uma tese - o chamado miolo da acção -, como sinais de aviso a Israel sobre o cativeiro:
«Tu, pois, ò filho do homem, toma um tijolo, põe-no diante de ti, e grava nele a cidade de Jerusalém. Põe cerco contra ela, edifica contra ela fortificações, levanta contra ela trincheiras e põe contra ela arraiais, e aríetes em redor.» «Tu, pois, ó filho do homem, prepara a bagagem de exílio, e de dia sai, à vista deles, para o exílio; e do lugar onde estás parte para outro lugar à vista deles. À vista deles, pois, traze para a rua, de dia, a tua bagagem de exílio; depois, à tarde sairás, à vista deles, como quem vai para o exílio. Abre um buraco na parede, à vista deles, e sai por ali.» (Livro de Ezequiel,4 e 12)
O arco do proscénio, sob o qual na velha Europa e na terra de Shakespeare se representavam as palavras, através da voz, do corpo, da acção, não era necessariamente lugar de pecado. Para o teatro evangélico não o é seguramente, e agora mesmo, nos nossos dias, os palcos para a representação de peças cristãs são abertos, são a própria rua, muitas vezes, são a própria tribuna donde se prega a Palavra de Deus.
O nosso teatro, a nossa maneira de expressarmos com arte o Evangelho, pode abandonar - como alguém escreveu - «a escuridão dos cenários e penetrar na luz do Sol - perante palácios, nos adros das igrejas, nos largos das aldeias, nas colinas», sendo que o que é válido para o teatro dito secular, «mundano», pode e dever ser mais válido ainda para o teatro de conteúdo cristão.
As peças dramáticas cristãs, com base nos quadros bíblicos e veiculando mensagens para os dias hodiernos, não são frívolas, nem para diversão. São para fazer pensar e para ajudar a mudar vidas, seja na vertente do chamado teatro de época (bíblica, do Velho e do Novo Testamentos), seja sob a forma da representação da vida moderna. São uma das mais poderosas ferramentas de evangelização que levam a vivenciar situações, factos, personagens - é o que nos diz um dos mais recentes manuais do género, editado no Brasil pela Hagnos, «O Ministério do Teatro II ».
Claro que tal visão do uso de meios como a arte cénica, terá a ver, também, com o desenvolvimento cultural da comunidade, da sociedade e do país.
Se recorrermos à Internet sobre o tema em apreço, «teatro evangélico », verificaremos que existe uma multiplicidade de oferta neste domínio. As informações sobre companhias de teatro cristão aptas a trabalharem em liceus, igrejas e conferências, como um ministério instituído, designadamente nos Estados Unidos da América, são vastíssimas.
Mas não só. As artes de representação cristãs, a reintrodução de uma cultura cristã evangélica no meio de uma sociedade secularizada e materialista, estendem-se do Reino Unido à Australia, tocam pontos tão díspares como Tauranga, na Nova Zelandia, e Vancouver, no Canadá.
Em português também. Movimentos evangélicos do Brasil utilizam os grupos de arte dramática e musical como meio para proclamarem o Evangelho e a dimensão da vida cristã evangélica.
No âmbito da literatura com intuitos esclarecedores e pedagógicos sobre este ministério tão específico, as artes teatrais como meio de evangelizar, há contudo uma preocupação, ajudar a que não se confunda teatro evangélico com teatro religioso. E aqui as capacidades de discernimento espiritual dos utilizadores devem estar alerta, para uma triagem do que é proclamação evangelística, através da arte, e do que é mera forma de idolatria encenada.

Friday, October 13, 2006

Eppur, si mouve!



Acordamos e a Terra é redonda.

Alisamos os olhos e o mundo
no abismo pede respostas.

Já haverá sol nas árvores
nas varandas e nos telhados
o sol varre as sombras
e os homens pedem respostas
cabisbaixas que não vêm
ao encontro nas calçadas.

Arredondamos a Terra
acordamos o Céu com preces
e os anjos dispõem sobre nós
a brisa matinal das asas.


3.2004

Friday, October 06, 2006

Juventude perdida


Erik Jacobs for The New York Times

Evangelicals Fear the Loss of Teenagers
More than 3,400 teenagers attended a Christian youth extravaganza in Amherst, Mass., last month. But evangelical leaders are worried that other young people are now abandoning the faith in droves.

Créditos do link, do texto e da imagem: The New York Times de hoje.

Wednesday, October 04, 2006

Conto: Uma conversa sobre ruínas

(Conclusão)
Lá fora, as pedras, como as pessoas em multidão, ainda se apertavam umas contra as outras, na solidão. O que restava da sinagoga de Kefar Nahum era, de facto, para além dos artefactos pétreos, toda a solidão de não pertencer a este tempo. Embora também não pertencesse nem aos tempos nem a sinagoga original, narrados no Evangelho de Marcos.
- Sabe, Sheina, lembro-me agora da parte final do poema, que se adequa a este caso, cujos primeiros versos já lhe disse.
- «Há anos que as ruínas / misturam os telhados / e os pátios, as colunas / que repousam do cansaço».
-O poema aqui não conta – Sheina contrapôs com uma brusquidão mal disfarçada na voz. – Não, não é que eu não goste de poesia – emendou, ao ver uma retracção no rosto de Jorge. - A verdade é que sempre podemos colocar vozes nestas salas, no que foram estas salas, quero eu dizer, murmúrios nas paredes - concluiu.
-Murmúrios nas paredes que levantarmos na memória da história… isso é também poesia – argumentou, já recomposto, Jorge, prosseguindo o que julgava ser uma inspiração – A arqueologia tem por função também tirar véus que os séculos, os preconceitos e os mitos, se encarregaram de manter.
E Sheina achou melhor concordar e perguntou, entrando no jogo:
- Já pensou em quantas conversas e orações se encostaram nestas colunas?
- Prefiro a essas análises mais do foro da espiritualidade, a história tradicional das cidades, sejam elas bíblicas ou não - respondeu Jorge. Era apenas um profissional, a sua relação com as pedras era fria, a sua emotividade reduzia-se exclusivamente à poesia. A somar a isso, descendia de uma família que tinha um passado pouco dado a amar as coisas judaicas, embora não fosse como os seus ancestrais do século XVI, um anti-semita, desses que só viam, como o outro Jorge Temudo, os judeus num sítio, na fogueira da Inquisição. Esse seu avoengo remotíssimo fora indigitado, no reinado de D. João III, para espiar e acusar os marranos.
-Há milénios que nós, os judeus, lidamos com a frieza de uma boa parte da humanidade, embora agora se justifique o anti-semitismo com preconceitos de esquerda – disse Sheina, num tom irónico, depois de ouvir aquela pequeníssima parte da autobiografia do seu colega português.
- Há anos que as ruínas / misturam os telhados / e os pátios…- Jorge já começara a repetir os versos, quando Sheina o interrompeu:
-Bem vistas as coisas, o poema até se adequa bem ao que estamos a ver. E cá temos o trabalho arqueológico que serve para destrinçar o que está misturado.
-Claro, para dar uma identidade às ruínas -afirmou Jorge com convicção.
Tinha procurado conservar uma distância razoável de fazer arqueologia fosse em solo israelita fosse no chão palestiniano, por um imperativo de consciência. Jorge Temudo parecia, agora, ter recobrado a sua identificação com aquilo que era uma parte do berço fundador da humanidade.
-Bem vê, Sheina, com um passado anti-semita na família, de expulsões e despojamento de judeus, achava que não deveria vir aproveitar-me da história, ainda que artesanal, monumental, ou o que seja, de um povo a quem se negou a existência – admitiu, com um tom de tristeza na voz, e dirigindo o seu olhar para longe.
Sheina falou por ele, num tom interrogativo, mas a revelar compreensão:
- Porque seria um acto de hipócrisia, no mínimo…
- Pior – concluiu Jorge - seria um perfeito oportunismo.
Mas o que se passara na década de Quarenta com os judeus da Europa Central e os acontecimentos recentes mudaram-lhe as ideias.
Aquele trabalho de campo arqueológico, a céu aberto, cujo sítio os seus colegas já tinham isolado e sobre o qual recaíam agora os habituais gestos de filigrana na obtenção de pequenas provas, estava porém longe de caber no pessimismo do seu poema de estimação. Por mais que continuasse a lembrar-se desses versos.
«(…)as colunas / que repousam do cansaço. / Nossos olhos / as visitam, flutuam, / e perdem-se na poeira das ruas.»
-Estafante este trabalho, mas tem um sabor de aventura - disse Sheinfeld, o outro colega contratado pelo Departamento de Arqueologia da Universidade, que tinha estado a ouvir a conversa entre os dois.
-Aventura, muita vez, connosco mesmo – contrapôs Jorge.
-Embora nós não tenhamos tempo para acompanhar a aventura da história – disse com um ar sério Sheinfeld. Para logo acrescentar, rindo: - Por manifesta limitação de idade.
Aquele trabalho iria ser de largas horas diante de qualquer coisa que no fundo tinha sido abandonada, involuntariamente, pela curta vida dos homens. ©J.T.Parreira