Wednesday, November 21, 2007

Sem-Abrigo / Uma Nuvem em Tróia, dois poemas

SEM-ABRIGO

musching a plum on
the street a paper bag
(mascando ameixas pela
rua num saco de papel)

William Carlos Williams



Tira as rugas
ao papel
de uma das pernas
das calças, põe

o saco ao ombro
já andou
por melhores mãos,
agora
recolhe meio
comidos restos

O casaco retirou há tanto
tempo
uma das mangas, tem
menos um braço

para abraçar a solidão
a lã está a ficar leve

no décimo ano cheio
de vicissitudes e
caminhos

um sapato
vai descalçando
um pé.

(João Tomaz Parreira)

######################

Do livro “Salmo Presente”, Ed. IEC, 1996:

UMA NUVEM EM TRÓIA

Hoje há maçãs húmidas
na nossa praça

já não chove
e há caracóis resolutos
em cada pedaço de erva

a Arrábida molhada
seca agora
aberta ao sol.

Paira ainda uma nuvem solitária
sobre a península
a projectar sombra no rio

nuvem esquecida
envergonhada
no tecto limpo
de Tróia.

(Brissos Lino)

Tuesday, November 13, 2007

As "Aparições" em Vergílio Ferreira




Procurar Deus, a Fé e a religiosidade nas 22 obras de ficção, nos 12 livros de ensaio e 11 diários de Vergílio Ferreira, será obra homérica. Será contudo acto legitimado por um conjunto de razões, entre as quais temos os próprios termos definidos pelo autor no que concerne ao invisível.

Estará, de resto, na linha dos teólogos do século XX que acharam normal interrogar a literatura para nela encontrarem um testemunho sobre a fé e sobre a descrença, sobre o significado da existência do Homem e de Deus, ou sobre a ausência divina.

Vergílio Ferreira interrogou-se através do romance "Aparição". Neste existe um verdadeiro problema com a religiosidade.E com a metafísica. E as suas personagens traduzem, de facto, esse dilema, carregando-o.

Na verdade, Alberto, o protagonista-narrador, não se distancia da sua narração, como compete de resto a um narrador que estabelece a trama, a intriga da sua própria história. Diria que Alberto Soares se criou a si próprio como personagem, a partir das várias aparições que desde logo lhe conseguimos apontar, desde a primeira página numa espécie de «corrente de consciência», ou monólogo interior:

- A Aparição das coisas, a tomada de consciência dos objectos,

- A Aparição do «nous», do pensamento, das ideias,

- A Aparição ontológica do Ser,

- A Aparição de si a si próprio, a epifania do Eu,

- A Aparição do humano contra o divino,

- A Aparição do absurdo da morte. («A iluminação da vida perante a evidência da morte»).

Thursday, November 08, 2007

Paris, Inverno 1994



Paris nessa noite tinha a luz
distribuída pelas gotas da chuva.

Sartre e Beauvoir não estavam lá.

No Café de Flore, três ou quatro
colheres de açúcar afogavam
o amargo do café. Beberam-no
primeiro os meus olhos
como um ritual, os lábios
depois, na minha língua
mais tarde escreveria
um poema previsível.