Saturday, June 27, 2009

Expressionismo, profecia da barbárie do séc.XX

Emil Nolde, Metrópole


«Quando Gregor Samsa acordou uma manhã, depois de um sonho agitado, achou-se transformado num gigantesco insecto.» ( para começar com um parágrafo definitivo de Kafka), foi o início de um pesadelo que representa uma alegoria. O escritor checo usou-a na novela A Metamorfose (1912) para explicar o absurdo da humanidade tão cheia de lógica, a dar os seus primeiros passos no idealismo do super-homem para as filosofias existenciais, mas que vê-se repentinamente transformada em qualquer coisa de mal, nos acontecimentos mundiais que a história europeia conhece desse tempo.

Nas primeiras duas décadas do Século XX, a angústia, a inquietude e a morbidez apoderaram-se da humanidade. E foi o Expressionismo Alemão que revelou esse estado de espírito, «profetizando» o mal que se iria abater sobre a Europa em particular e o Mundo de um modo geral.
Nas artes plásticas, como reacção à fase derradeira do Impressionismo (chamaram-lhe pós-Impressionismo), ergue-se na Alemanha uma ponte (Die Brucke) que liga aquele às novas correntes estéticas, mas que ao atingir o outro lado dessa ponte - o Expressionismo- corta quaisquer veleidades de um regresso. O novo movimento seria a arte do instinto, substituiria a impressão do momento causada de fora pelo sentimento nascido no interior, expressando-se patética, trágica e sombriamente, com uma técnica violenta.
Os quadros que foram sendo criados revelavam, na crueza das cores vibrantes e resplandecentes, nas deformidades das figuras, nos desequilíbrios da época, que estavam a preparar-se as hecatombes das primeiras décadas de um século de barbárie, o caos generalizado na economia das nações e nos povos das pátrias.
A tela mais impressionante que antecipava esse período, pela angústia que demonstra, é, sem dúvida, O Grito (1906) do norueguês Edvard Munch. A violência profética do que haveria de ser o grito lancinante da Europa dos guetos e dos campos de concentração e extermínio nazis, dos bombardeamentos em massa, e - não o esqueçamos- dos Gulag estalinistas. Sobretudo, impossível de englobar em um só grito e de olvidar pela História, o trágico Holocausto, que aplicou a dizimação de milhões de judeus da Europa e explorou antes sua mão-de-obra escrava. O trabalho forçado que, financeira e capitalisticamente, rendeu ao Estado Nazi, só do campo de concentração de Buchenwald, durante Março de 1944 - faz agora 60 anos-, 3.465.745,85 de reichsmark.
Mas, de um ponto de vista profético, o Expressionismo influenciou muito mais a poesia. Como sinal dessa identificação, havia sobretudo a crueza do verso, do verso militante que não procurava sustentar-se no lirismo, mas no descarnamento da realidade, uma poesia até ao osso.
Como nas obras de arte, o aspecto da deformação da realidade e a angústia existêncial do homem moderno estão patentes na poesia expressionista.
Poetas como Gottfried Benn, August Stramm, Georg Trakl, e uma poetisa Else Lasker-Schuler, para só citar os mais conhecidos, descreveram o caos de uma forma nua e crua, as palavras carregaram-se de angústia e no lugar das emoções expressaram as tensões e os tumultos da alma humana. Foram, de certa maneira, como alguém lhes chamou, «os poetas do grotesco».
Mas um dos poemas ardentemente radicais e proféticos, extravassando o desespero perante os indícios da realidade, que viria a chamar-se barbárie, veio de um poeta não tão notável quanto aqueles; Albert Ehrenstein -« Conservadas pelo frio, amontoam-se à volta do charco,\ Do lago do mundo dos mortos, \ As torres de cadáveres.». Nestes versos, o campo semântico remete para a guerra e prepara com a metáfora da mitografia da Barca de Caronte (o barco que transporta os mortos), o ambiente da catástrofe que seria a II Guerra Mundial e todo o horror dos campos de extermínio nazi. Este mesmo poeta descreveria, porventura sem nenhuma ligação ao quadro de Munch, o grito do Homem em versos como «Nós, os amordaçados, estamos envolvidos \ Por demónios, e brutalmente oprimidos», dum poema intitulado «Grito humano».
Todavia os grandes poetas desse movimento chamado Expressionismo, fariam associações mais grotescas da realidade com a metáfora, abrindo o tom lírico do verso à sensação selvagem, para que o verso sangrasse e provocasse até à dor.
Um excerto de um poema premonitório, «Berlim», pobre de metáforas, mas tão irónico como só Gottfried Been poderia escrever, é exemplar: «Quando arcos, pontes, erguidos,\ forem da estepe engolidos \ e o burgo areia escura \ e as casas desabitadas \ e as hordas e as armadas \ pisem nossa sepultura... \ hão-de as ruinas falar \ da grandeza do Ocidente ».
O futuro iria reservar à Europa uma reacção nova sobre a morte, a banalização da mesma. E assim o mesmo poeta, com uma morbidez irónica, anteciparia o que as SS e a Gestapo fariam perante a morte dos outros, ironizariam e comparariam seres humanos com piolhos. Um breve excerto do poema «Bela Infância» bastará: « A boca de uma rapariga que passara muito tempo no canavial estava tão roída.\ Quando lhe abriram o peito, o esófago estava todo esburacado \ Finalmente...\ encontrou-se um ninho de ratinhos. \ (...) \ Mas depressa tiveram também uma bela morte: \ Deitaram-nos todos à água. \ Ah, como os pequenos focinhos chiavam.»
O chamado «apocalipse alegre » da Europa de Strauss e Wagner, de Goethe e Heidegger, da primeira década, e da segunda e depois da terceira, foi vaticinado por outros poetas, como Georg Trakl, que não assistiu à «revelação» dos seus poemas sobre o desvario niilista do mundo, a hecatombe e a morte ( cometeria suicídio em 1914). «Vi-me num sonho de estrelas caindo,\ De preces chorosas num olhar ferido, \ De um sorriso que vinha ecoando - \ Mas não sabia entender-lhe o sentido. » Ou «Vi cidades pelo fogo consumidas \ E o cortejo de horrores pelo tempo fora, \ E muitos povos a pó ser reduzidos, \ Perder-se tudo nos fundos da memória » (do poema «Três sonhos»).
Tremendo entre estrelas e violinos, a nossa Europa das primeiras quatros décadas, foi-se afundando numa noite escura, que só o Julgamento de Nuremberga procurou, apenas com êxito judiciário, explicar.

Tuesday, June 23, 2009

As ovelhas ofendidas

"Não sou ingénuo ao ponto de acreditar que a transformação do celibato obrigatório em facultativo, defendido já por muitas vozes altamente qualificadas da igreja romana, seja o suficiente para resolver este tipo de problemas. Mas que ajudaria muito não tenhamos dúvidas. E sobretudo possibilitar-se-ia aos sacerdotes católicos a hipótese de viverem a sua humanidade de forma muito mais livre, autêntica e coerente.
Afinal, Jesus Cristo nunca fez voto celibatário nem o exigiu aos seus discípulos."

-Afirma AQUI o dr.Brissos Lino, no Setúbal na Rede

Sunday, June 21, 2009

Crianças que olham os dragões


Meninos do Saurimo. Foto tirada pelo autor em Angola, em 1969, na Guerra Colonial.

Como as crianças que olham os dragões
os meus olhos ainda se espantam
quando as nuvens passam
num retrato de família as cores umas às outras
e são algodão
doce e carrosséis

como as crianças que olham para os dragões
ainda me surpreendo com nenúfares
que põem a mesa
nos rios

Como as crianças que olham
os dragões, os meus olhos
prendem-se aos gestos
das netas e dos netos, e o tenso coração
é uma sombra do que foi
até isso me admira
por causa das Tuas maravilhas.

Monday, June 15, 2009

A Fé (e não só Poesia) Depois de Auschwitz (II)

Implicações Teológicas
A chamada «nova História de Israel» (4) na sua essência e exposição não só evidencia a falta de Fé nas Escrituras, como parece desvirtuar a história do Holocausto. Os novos historiadores israelitas afirmam «reconhecer» que os judeus expoliaram os palestinianos da terra destes e que a Shoah diz antes que Israel abandonou as vítimas do extermínio nazi para usar os sobreviventes «como arma política para construir um Estado». Todavia o profeta Zacarias realiza nas suas palavras declarativas, da parte de Deus, uma visão de um Israel e de uma Jerusalém atractivos de todos os povos, os quais «pegarão, sim, na orla da veste de um judeu, e lhe dirão: Iremos convosco, porque temos ouvido que Deus está convosco» (Zc 8,23) Na obstante a centralidade de Israel nos planos divinos, na dispensação milenial, o «pathos» teológico que recaiu e impende ainda sobre o povo judeu está, sem dúvida, nas suas próprias palavras pronunciadas uma tarde, na emotividade inapropriada da voz popular: «Caia sobre nós o seu sangue( de Cristo), e sobre nossos filhos!» (Mt 27,25) E estas figuras simbólicas judaicas têm o peso eterno que têm e a que se não pode fugir.

Não à Poesia depois de Auschwitz
O que possa representar um impedimento psicológico ao trabalho estético de escrever um poema, de uma forma geral o que possa ser um entrave à Literatura, os acontecimentos terríveis que tiveram lugar em Auschwitz, foi sem dúvida o célebre pronunciamento de Theodor W. Adorno que o gerou. Ele afirmou que “escrever um poema após Auschwitz é um acto bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque se tornou impossível escrever poemas.” ( 5 ) O genocídio dos milhões de judeus em Auschwitz, segundo Adorno, corrompeu a humanidade, podendo até detectar-se na sua frase que é terrível também outra coisa - o esquecimento – se este ocorrer- da razão pela qual a Poesia «ficou» interdita. É óbvio que não se pode ir tão longe nesta espécie de pessimismo nihilista quanto ao lugar da Arte Poética no Século XX após-campos de extermínio nazi e neste Século XXI. Em defesa da Poesia após-Auschwitz, quer dizer como arte profunda também da memória, a poética servirá como a arte de não esquecer o Holocausto. Uma relação dramática com esta triste catástrofe ( que o hebraico chama Shoah), está justamente na grande poesia de Paul Celan, filho de judeus-alemães exterminados naquele Campo de Morte, no poema Fuga da Morte, onde se lê estes pungentes versos: E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre que veio da Alemanha grita arraquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumos subireis aos céus e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados.(6 ) Celan sabia disso, assim como a grande poeta Nobel da Literatura Nelly Sachs, também judia, que escreveu em 1946 estes versos carregados de um pathos comovedor : Oh as chaminés sobre as moradas da morte engenhosamente inventadas, quando o corpo de Israel desfeito em fumo partiu pelo ar – como limpa-chaminés uma estrela o recebeu. (7) Primo Levi, outro grandíssimo poeta judeu italiano, perguntava no seu hebraico Shemà, Considerate se questo è un uomo Considerate se questa è una donna Senza capelli e senza nome (8). Este poeta a par do filósofo Adorno foi dos escritores mais pessimistas e sem esperança no homem, no que concerne à memória do extermínio nazi, pois escreveu no início do poema A Estrela Negra «Nenhum canto mais de amor nem de guerra.» A memória do Holocausto, do extermínio de 6 milhões de judeus na década de 40, continuará a caminhar descalça, silenciosa mas ininterruptamente, sem sapatos, sem a areia do Sinai, que foi espalhada quando tiveram que se erguer nus perante a morte.

(1)-Arte e Mito, Livros do Brasil, pág.76; (2)-Introdução à História, Europa-America, págs.31/2; (3)- Clássicos Sá da Costa, António Sérgio, págs.98; (4)- Courier Internacional, nº160, 6/2009, págs. 72-84; (5)-Minima Memoralia, Ática,S.Paulo, pág.26; (6)-Sete rosas mais tarde, Cotovia, trad.J.Barrento, pág.17; (7)- Poemas de Nelly Sachs, Portugália, trad.P.Quintela, pág.6; (8)-Antologia della poesia italiana, Tomo Secondo, Tascabili, págs.872/881.

Saturday, June 13, 2009

2 Haiku


1.
Moinhos no céu.
Um Quixote vai partindo
com o vento as nuvens.




2.
A Serra da Estrela
no inverno dorme cedo
sob alvo lençol.




Friday, June 12, 2009

A Fé (e não só a Poesia ) depois de Auschwitz


O regresso judaico do cativeiro da Babilónia, para uma discussão meramente académica de historiadores, foi um evento apenas da sociologia e da política dos antigos impérios, ou quando muito a inclusão desse evento na história relegaria a profecia para plano secundário.

Mas o primeiro retorno a Jerusalém, a partir do acto benévolo de Ciro, foi a materialização da Fé. A consumação do fundamento e prova da fé nas profecia de Ezequiel e Daniel.

Contrariamente ao pensamento hegeliano, eventos cruciais da História do Mundo originaram-se também no cumprimento explícito de profecias conhecidas nas Sagradas Escrituras.
É um facto mais que óbvio a presença de Deus na História. Há mais de trinta anos sublinhei, em Arte e Mito, do prof. Ernesto Grassi, uma verdade que «Deus se manifesta no tempo e empresta à história localizada uma significação eterna» (1 ). E aí está a História do Judaismo, a partir do VT, para o confirmar.

Se esse regresso não tivesse ocorrido, não haveria História Judaica, nem teriam ocorrido as histórias de Cristãos e Árabes, e quem esta tese defende é o filósofo e rabi judeu Emil Fackenheim(1916-2003).

Esse autor explorou os novos horizontes que vieram abrir a relação entre o Holocausto, da primeira metade do século XX, e a Teologia judaica com milénios de existência, não apenas submetendo-a ao juízo do conjunto de Ideias filosóficas, mas também ao escrutínio da Profecia bíblica.
A História também deu o seu contributo, como se compreende, inestimável e incontornável. Os actos da humanidade realizam-se no terreno da contingência histórica e têm inevitavelmente uma narrativa.

A historicidade narrada no VT
Não é apenas a Fé que conclama sobre a história de Israel, sobre o povo judeu de um modo específico, a realidade também. Esta prova que a Fé teve razão, do ponto de vista dos eventos.
Fé e realidade, no âmbito da História. A Fé confirma-se como base do facto profético, a realidade como consequência do cumprimento desse facto.

A primeira deportação para a Babilónia sob o reinado de Nabucodonosor, teve a importância da profecia, infelizmente para os judeus, e teve a importância da própria «visita» do rei babilónico no acto da invasão, o que se reveste da valia da cidade santa independentemente de valorações religiosas. Foi um acto político e social, não um acto meramente tirânico, e tem nos Livros Sagrados de Reis e Crónicas a sua narratividade apropriada.
Esta, porém, assentou também na essência dos factos cometidos pelos próprios judeus, no que concerne ao seu desprezo pelas Palavras de Deus ( II Cr 36,14-16), na forma de «transgressões e abominações» para com o Senhor.

A história profética, portanto, cumpriu-se tanto no cativeiro como na libertação deste. Sabe-se, pela Bíblia e pela História Universal, que a proclamação de Ciro foi o passo fundamental para o regresso de Judá (II Cr 36,22-23). Passo não apenas para consolidar politicamente uma nação e restituí-la ao seu locus original, mas sobretudo para a consolidação do Culto ao Senhor, Deus dos Céus – como proclamou Ciro.
A obsessão das origens, que a tribo dos historiadores possui – como afirma Marc Bloch (2)-, porque precisam vitalmente dos «começos», deveria, no entanto, levar o homem contemporâneo a considerar o Cristianismo como uma religião histórica e Israel com uma História originada e estruturada nos Livros Sagrados.
Os judeus devem a Deus e à História. Compreenderão assim todas as suas vicissitudes e experiências e malogros, genocídios e perseguições, de que a sua História se formou.
A nossa História Próxima com os Judeus
António Sérgio, na sua obra «Breve Interpretação da História de Portugal»(3 ), refere, em particular, a relação dos portugueses com os judeus.
A obsessão pelos hábitos tradicionais de um tratamento repressivo dos judeus não fugiu à regra em Portugal. A figura do judeu era recriada pelo mito em que tudo se misturava, religião, sociedade, economia, ignorância teológica. Mas acima de tudo o interesse económico-financeiro dos «Gentios».
«A situação próspera do Judeu excitava a inveja, o despeito, a cobiça dos Cristãos.»- escreve Sérgio. Com honestidade, tem que se dizer que o Judeu dava às vezes razões de queixa, com procedimentos menos simpáticos. A usura, o açambarcamento de alimentos para alterar o preço de comercialização, diz-se até que ao ponto de promover fomes, são aspectos que a nossa história consigna e que autores como Herculano e Sérgio registam, apenas como factos. «A inimizade anárquica do vulgo»- como considera António Sérgio- terá levado inclusivamente D.João III a insistir com o papado o estabelecimento do Santo Ofício em Portugal, a fim de sustentar pela legalidade o que não era mais que anti-semitismo.
(Continua amanhã...)

Friday, June 05, 2009

Voo 447

Voaram do grande radar dos céus
para os abismos cinzentos
dos corações.
Montavam sobre cavalos de energia,
sob as asas
monólitos de fogo.
Por um momento ainda os risos
das crianças, as blusas e as camisas
coloriram os assentos azuis.
Depois, as almas iriam partir
no sono, filtrar a luz dos sonhos,
iriam acordar para a forma
incandescente do sol,
voavam
sob olhos da noite mas para milhões
de outros olhos de prata
no território de morte e água.

Thursday, June 04, 2009

"Um Relato Literário no Sacrifício de Isaque"

O jornalista e cineasta Rodrigo C.Vargas, de Fortaleza, Brasil, publicou AQUI, no seu blog O Vertical, o artigo Um Relato Literário no Sacrifício de Isaque.

Monday, June 01, 2009

"A Fé (e não só a Poesia) depois de Auschwitz"


AQUI, no Portal da Aliança Evangélica.
História, Profecia e Poesia mantendo e confortando a memória, pela Fé e pela Estética, pela poiesis e pela techne.