Wednesday, May 26, 2010

Getsêmani



Poema Inédito Especial do poeta Rui Miguel Duarte
Colaborador


Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim”
Mário de Sá-Carneiro, “Dispersão”

Tenho a alma amortalhada
oculta dentro de mim
e imbricada na penumbra deste jardim
a minha alma é a pedra
e a mão que a lança
a funda e a testa do gigante
a alma seca sangrada
do cutelo dos verdugos
e ainda sempre
tão em carne viva
a minha alma dispersa
pelos ramos destas árvores
e amigada às folhas caídas
que os meus pés pisam
alma casada com os espinhos
dentro de mim todo
moeda de compra preciosa
exposta na mortalha
26/05/10
(Rui Miguel Duarte)

Monday, May 24, 2010

Crise

A boa mesa.

Eles tinham uma. Seria a última

coisa a ser vendida.

24/5/2010

Monday, May 17, 2010

Nota para um perito chamado padre Ratzinger

Fé e Cultura é, sem dúvida, uma communio ( comunhão) para Joseph Ratzinger.
Não é pois por mera necessidade de usar o seu nome que a revista “Communio” o teve como colaborador no seguimento lógico dos documentos do Concílio Vaticano II.
Ratzinger vem de uma tradição, como perito do Concílio aberto por João XXIII, de agitar as águas e colocar questões difíceis de digerir pela Hierarquia.
A escassos mêses da sua eleição, o futuro Papa Bento XVI dá uma entrevista ao diário italiano La Repubblica, e afirma o que os Evangélicos há muito denunciam, que «Deus está marginalizado, na vida política parece quase indecente falar de Deus. (...) Uma sociedade em que Deus está totalmente ausente se auto-destrói».
Deixou a sua marca de teólogo inconformista durante o próprio Concílio em várias matérias que hoje levariam o título de fracturantes. A questão da não obrigação do celibato.

O mês era o de Outubro de 1963 e discutia-se «casamento ou celibato dos diáconos?»
Tratava-se, sobretudo, de a Igreja Católica Romana restaurar a função do diácono na pastoral, podendo o mesmo substituir por ausência os sacerdotes em certos sacramentos como assistir a casamentos, ensinar, presidir à oração, etc, e não apenas na distribuição da eucaristia. Havia o exemplo da Igreja do Oriente já possuir diáconos e padres casados, desde a sua origem.
O Cardeal Ottaviani, que viria a ser primeiro Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, dirigia os trabalhos com mão férrea já disposta para o renovar da Inquisição com outro nome mas idêntica substância, adaptada aos tempos modernos, acolheu contudo todas as posições, mesmo as que reclamavam a possibilidade de os diáconos deverem ou não ser «ligados pela lei do celibato».

No fim do debate, diz a história (1), ainda que «por caminhos ínvios» à propositura aduzida às discussões conciliares, veio perguntar se «antes que restabelecer um diaconato permanente, não seria melhor conferir a certos homens casados a ordem menor do acolitado», podendo de facto «administrar certos sacramentos unicamente em caso de necessidade e na ausência de padres».
Estava assim desmontada em 30 de Outubro a proposta «revolucionária» de certos peritos teólogos, três apenas no entanto, que fizeram circular textos entre os bispos pedindo-lhes para votarem a «favor de um diaconato sem obrigação do celibato».
O Cardeal Ottaviani afirmou, na circunstâcia, que«os bispos não devem depender dos peritos nessa matéria e estes últimos saíram fora da sua missão». (2)

Todos se perguntaram quem eram os três peritos visados pelo Cardeal. Os textos traziam as assinaturas dos mesmos, sendo dois deles mais tarde reconhecidos como grandes teólogos da Igreja Católica Romana: Karl Rahner e Joseph Ratzinger, o último poderoso Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Naquele início da década de 60, Ratzinger propugnava, como padre conciliar, perito e consultor teológico no Concílio, por algumas reformas. A colegialidade dos bispos, o envolvimento positivo de todos, hierárquia, institutos missionários e fiéis, nas Missões, e até o tal princípio do Não ao celibato obrigatório dos padres. Todavia um artigo no Paris-Match de 5-11-1963 reproduzia sensacionalmente as palavras de um bispo francês: «Padres casados, no Ocidente, é assunto para o Concílio Vaticano III»
(1) A Igreja do Presente e do Futuro- História do Concílio Vaticano II, 3 Volumes
(2)Ibidem, Vol. 1, págs 296/300


Tuesday, May 11, 2010

A Morte que mata o Ser

Uma nota de suicídio na porta do quarto de Chatov (nome meramente literário), dizia: «Entrem, estou enforcado». Mas ele já não «está», ele já não «é».
A morte traz a ausência do Ser e com ela a não prestabilidade do corpo. Fernando Pessoa viu bem esta relação Ser, corpo e utilidade no poema «O menino da sua mãe»: «Está inteira / e boa a cigarreira. / Ele é que já não serve».

A Primeira Vez
A primeira vez que a palavra morte se verbalizou através da conjugação de um verbo, como uma acção contra o Ser, foi no jardim do Éden e foi o Criador da Vida que a proferiu (Gn 2,17), como um aviso conducente ao Bem e ao Mal e ao livre-arbítrio do Homem.

Aceitamos que Deus falava de duas mortes, que se viriam a institucionalizar, digamos assim, a morte física e a espiritual. Depois Caim materializou a parte física da morte ao assassinar Abel.
A Morte para matar o Ser estava instituída sobre a Terra.

Caim teve, apesar do seu terrível feito, da sua arqui-construção da ideia e do facto «Morte», consciência disso, ao transpor para a universalidade dos seres humanos o incontornável verbo «morrer», ao percepcionar que qualquer um o poderia «matar».
«E serei fugitivo e errante na terra, e será que todo aquele que me achar me matará»- disse, no livro do Génesis.4,14

Quando se morre, já não se «está». O nosso «Chatov» dispunha de Ser, quando escreveu a sua nota de suicídio «era» ou, para usar uma expressão de Heidegger, o filósofo do Ser, era «Ser-aí» (Dasein -o ser-aí ou o ser-no-mundo), ao perpetrar a sua própria morte deixou de «ser», deixou de «estar».

Por essa razão, o suicídio como resultado a que qualquer desespero conduz, é ampliado para um delicado problema filosófico, mas sobretudo teológico nosso contemporâneo.
Desde o século XX, designadamente, teólogos protestantes célebres têm-se debruçado sobre o suicídio como sendo este uma resposta materialista ao divino, Paul Tillich e Karl Barth. Também o olhar e pensar filosóficos, por exemplo, de Albert Camus, foram nesse sentido.

Não é mero axioma o início do celebrado «Mito de Sísifo», de Camus, quando escreve que «só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio». Claro que o evidencia como resultado do seu pensamento, não existencialista que não foi, mas de filósofo e romancista perante o absurdo que ele considerava na existência humana. Por essa razão, prossegue ao qualificar a importância do problema, que é o suicídio, como uma resposta ao julgamento de se «a vida merece ou não ser vivida».
Se não merece, então está justificado o suicídio, a morte voluntária, como alguns sociólogos já lhe chamaram.

Aquele romancista-filósofo escreveu, ainda naquele ensaio, que nunca viu ninguém morrer pelo argumento ontológico, pelo princípio do Ser e pela sua finalidade eterna, em contrapartida disse que viu que morrem muitas pessoas por considerarem que a vida não merece ser vivida.
Mas desde o Éden, desde os primeiros capítulos da humanidade iniciada em Adão e em Eva, que a morte e o morrer começaram por ser ontológicos e se passaram para o plano meramente físico, a essencialidade jamais deixou de estar no Ser.

Os crentes, os Cristãos pelo menos, para não falar dos Judeus ou dos Islamitas, sabem que no Ser humano vem em primeiro lugar a essência e depois a existência, porque o homem é criação divina.

Morrer o Ser
Matar-se é, em certo sentido, confessar, proposta camusiana que tende a contribuir subjectivamente para o existencialismo, mas só na medida em que o romancista referido diz que é «confessar que se foi ultrapassado pela vida».
Esta é uma perspectiva de um agnóstico que estruturou o seu pensamento no problema da ausência de Deus, nunca afirmando a Sua não existência. Disse-o, com compreensão pelos crentes, desta forma: «ninguém pode desencorajar o apetite da divindade no coração do homem».
Isto dito por um homem sem fé, é marcante. «A existência humana é um perfeito absurdo para quem não tem fé na imortalidade»

A auto-negação da vida, a implícita negação da imortalidade da alma e do espírito da criatura humana na acepção bíblica, é uma forma de atentar, lograda ou não, contra a centelha do divino no coração do homem.
A teologia evangélica contemporânea, pela voz dos seus teólogos mais proeminentes do século XX, asseverou, com toda a colaboração bíblica, que a resposta ao suicídio, não é que o homem deva viver, mas que possa viver.
O suicídio é excluído pela graça de Deus, pela cruz e pela ressurreição de Jesus Cristo, na qual o pecado de rebelião contra a graça de Deus é expiado e abolido- escreveu de modo definitivo o teólogo Bernard Ramm.

Deus disse sim ao Homem, na Cruz através de Jesus Cristo, o suicídio quando ocorre é o homem a dizer não a Deus. É uma revolta contra o Amor divino ao Ser. Porque o Ser foi gerado pelo sopro divino nas narinas de Adão.

Monday, May 10, 2010

Fátima: uma mentira


Ratzinger sabe que eu sei, que ele sabe...... Aqui


Um excerto: «O Papa Ratzinger, na qualidade de grande teólogo, como o apelidam os vaticanistas, saberá certamente daquilo que falo. Ele sabe, que eu sei, que ele sabe que Fátima é mais do que uma mentira: é um logro, um embuste religioso e sociológico !
Sabendo isto, Ratzinger devia naturalmente recusar-se ( se fora um cristão ) a vir a Fátima para alimentar a crendice popular. Ratzinger deveria imediatamente denunciar esta mariolatria doentia e pecaminosa. Acabar com este espectáculo e folclore degradantes. Pugnar pela pureza do evangelho de verdade e por anunciar que só existe um advogado para com Deus: Jesus Cristo!
Mas Ratzinger não só não o irá fazer como se prepara para contribuir, com a sua presença, para alimentar e sustentar o embuste. É bom que saiba que Deus não se deixa escarnecer.»


Via Ab-Integro, Jacinto Lourenço

Thursday, May 06, 2010

Saraiva Martins prefere atirar lama a assumir o escândalo

O cardeal Saraiva Martins já nos habituou a declarações patéticas, e apresenta-se invariavelmente como “mais papista que o papa”. Em entrevista recente ao jornal “I”, Saraiva Martins, sobre o tema da pedofilia entre os sacerdotes católicos, na sua ânsia de tapar o sol com a peneira, dispara em todas as direcções. Afirma ele: “noutras religiões em que não há celibato, há mais pedófilos”, querendo afastar o celibato da pedofilia, e acrescenta: “e isso é a prova evidente de que não existe qualquer relação.”Primeiro, Saraiva Martins não tem elementos sobre as outras religiões para afirmar que há lá mais pedofilia, deixando claro que estará apenas a sacudir a água do capote. Segundo, não há uma vaga de notícias do tema e um escândalo global nas outras religiões como na católica. Terceiro, não consta que casos isolados noutros contextos religiosos tenham sido sistematicamente abafados como na igreja católica. Quarto, as outras religiões não estão organizadas em sistema de pirâmide, como a católica, nem têm um Vaticano, por isso a responsabilidade de eventuais situações será sempre local e não mundial. Por último, ficava melhor a Saraiva Martins assumir o escândalo (como de resto já fez o papa) em vez de atirar lama para cima dos outros…

Via A Ovelha Perdida

Wednesday, May 05, 2010

À beira do abismo



Poema inédito e especial do poeta Rui Miguel Duarte

À beira do abismo
todos tremem os joelhos
e vacilam a voz

À beira do abismo
se a uns
falece a alma no olhar
a outros
desfalecem os membros
e fremem de atracção
que não podem nem querem
refrear, como por uma amante
misteriosa e fatal

Quantos foram traídos
tragados pelas fauces do abismo
de longe os pés laçados
pelo tentáculos do kraken
e os olhos quebrados
na silente profundidade?

outros exigem que os amarrem
ao mastro como Ulisses,
não se vão eles afogar
na perscrutação dos segredos
do canto das sereias

outros ainda que
diante do abismo
elevam as mãos e o coração
aos céus e cantam os corinhos
de louvor à grandeza do Senhor
do culto do último domingo

2/05/10

Monday, May 03, 2010

Apontamentos: Stuart Mill e o conceito de perseguição religiosa

História religiosa, Cristianismo, movimentos da Reforma, verdade e perseguições andam ligadas na filosofia social sobre a liberdade de John Stuart Mill.
O filósofo social do século XIX defendia que a verdade só triunfava das perseguições, se estas afrouxassem. Lemos no seu célebre Ensaio sobre a Liberdade.

A partir do Novo Testamento, designadamente do seu livro de História da Igreja, as perseguições ao Cristianismo, leia-se aos do Caminho ou aos cristãos, iam contra as mulheres e os homens e contra os signos do reconhecimento entre a comunidade dos crentes de então.
Os signos/sinais, remotamente distantes ainda dos estudos de semiologia, serviam de identificação e também de um escudo.

O atributo dos cristãos, o objecto significado na palavra peixe, IKhThUs representava as iniciais das palavras Iesoûs Khristós Theoû Uiós Soter «Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador».
No livro «Chaves para a Semiologia», este sinal dos cristãos é apresentado na sua magnificência histórica como um paradigma: «Foi, pois, graças a um jogo de palavra que o peixe, sumariamente traçado, se tornou o signo de reconhecimento entre os cristãos.» (pág 71, Universidade Moderna, D.Quixote, 1976).

Este signo, entendido apenas pela comunidade dos crentes, escondia-os aos olhos dos perseguidores romanos. Quando o signo aparecia, os utilizadores estariam ausentes. Nas paredes das catacumbas, no grafismo das paredes. Era um sinal da Verdade.
Tal Verdade não foi destruída pelas perseguições, nenhuma fogueira, nem rugido de fera, nem garras dilacerantes nem dentes como punhais de cada leão lançado aos cristãos acabou com a verdade.

A verdade nem sempre triunfa da perseguição?
Stuart Mill escreve que «história abunda em exemplos da verdade emudecida pelas perseguições». Nem sequer ficou incógnita durante séculos, como parece defender o autor. A Verdade, na sua actividade de testemunho, de pregação, de evangelização, pode ter passado por momentos de menor expressão e exuberância histórico-religiosa, mas jamais diminuída ou suprimida na sua essencialidade.
O autor particulariza a sua opinião religiosa e parece ter um preconceito anti-protestante, invocando que depois da Reforma luterana «o protestantismo foi a terra, foi extirpado» em Espanha, na Itália, na Flandres, na Áustria. «Sempre que avançaram na perseguição, esta vingou» - diz Mill.

Na Igreja Primitiva neo-testamentária a perseguição judaica consistiu num estímulo para o crescimento da Igreja. Mas as perseguições irromperam antes do período pós-Saulo. Imediatamente a seguir à Crucificação de Jesus Cristo, no próprio dia antes da Ressurreição e no Domingo da mesma, como se pode classificar o medo dos discípulos?
Senão como resultado de um espírito de perseguição latente por parte, sobretudo, dos componentes judiciários do Sinédrio, dos fariseus, dos príncipes dos sacerdotes? Ou mesmo dos judeus de um modo geral ?

Diríamos mesmo que a perseguição aos seguidores de Jesus começou na noite da prisão
do Senhor. Foi no sentido de obstar a uma perseguição logo ali perpetrada contra os seus seguidores, os discípulos, que Jesus disse aos guardas que «se pois me buscais a mim, deixai ir estes»- narra o Evangelho de João. O evangelista Mateus descreve sem eufemismos a cena, ao narrar que « então, todos os discípulos, deixando-o, fugiram».