Wednesday, December 17, 2014

A ESTRELA

(Foto da NASA)


“No cerne da solidão / os olhos de Deus”
Joanyr de Oliveira



Se vier, virá do cerne da solidão, do deserto
Das areias cósmicas, do pó esplendente
Dos cometas, se vier
Ancorará cansada o seu vórtice misterioso
No topo do mundo, no sono
Das crianças, nos ramos dos pinheiros, alçará
Os fonemas da alegria, se vier
Será matéria para contar aos netos dos futuros netos

Matéria disparada do etéreo, povoa
O silêncio da noite, estrela que se revela do rebanho
De outras estrelas, o seu canto
Só os anjos acordados à sua própria voz
Conhecem.  Mas canta realmente
Depois de milénios a fio muda?  O frio
Por onde passa é cada vez mais
O caminho, mas cante ou não
Vem da direcção da luz.

17-12-2014
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Sunday, November 23, 2014

Antes do Salmo 51 David e Natã





Com uma das mãos lavo o rosto
Com a água corrente dos meus olhos
A outra apoia-se no vazio, abraça
A solidão, a sombra do silêncio
Da harpa suaviza o meu coração de pedra
Agora de carne e fogo
Um hissope começa a escrever o cântico
Do perdão a sangue e água, no espelho
Do meu rosto.


23-11-2014
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Friday, October 17, 2014

PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS, 13


Juan-Martinez Bengoechea



Conheço as línguas dos homens. São físicas
descrições de sons e sentidos, desdobram-se
em cores para pintar o mundo.  São frias
se vêm do norte, do sul se vêm com fogo.
Com as suas línguas
de metal celeste, conheço os anjos.
Mas será como ter os ouvidos tapados
com silêncio, se não tiver amor.
Conheço a maneira de transportar os montes
e os mistérios que posso esconder
entre os meus lábios, e no espelho
que é a profecia,  posso ver o futuro. Nada será
se não tiver amor. E ainda que conheça a cor
do dinheiro e os pobres
que se alegram comigo, o que importa
se não exercitar na alma o gozo do amor.

17-10-2014

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Monday, September 08, 2014

A DÁDIVA DO MEU ESCULTOR



Dell'universo immemore.

Io vivo quasi in ciel.

(La Traviata, Verdi)



Um dia do azul espaço, um golpe profundo

Deus esculpe a Terra, redonda

pátria minha onde escrevo sinais

que invejam as estrelas

e contra a Morte,  que inveja o poder

do homem ter palavras e silêncios.


08-09-2014
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Saturday, August 23, 2014

A CANÇÃO DE MARIA



"Magnificat anima mea Dominum"


A dor do meu corpo a crescer
será útil para o Senhor


como o dia que se derrama
no fio do horizonte
na púrpura
de um dia novo


a dor de um filho dentro
a crescer pelo meu corpo.


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Thursday, July 03, 2014

AS PALAVRAS NÃO SE ATIRAM COMO PEDRAS, INÉDITO


(Imagem da Web)




“Porque lhes dei as palavras que tu me deste.” 
(Evangelho S. João 17:8)



As palavras não se atiram como pedras
entregam-se em bom estado
como pão ao faminto 
e água ao sedento. As palavras são embriões 
de vida longa
clarões que iluminam a treva 
dos silêncios.



2/7/14 
© José Brissos-Lino

Tuesday, July 01, 2014

O QUE DISSE ISAQUE A REBECA QUANDO SE ENCONTRARAM




Minha irmã que possas dar vida a milhares de descendentes
Diria Isaque
quando subiram os seus olhos acima dos camelos
           
Refrescou seu sonho na cristalina água
dos olhos frescos de Rebeca, ambos
se abriram ao oiro da tarde

E descansou Isaque
o coração no regaço de Rebeca, no rosto
 adolescente do Amor tocou com suavidade.

16-05-2014

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Tuesday, June 24, 2014

POEMA UM ANO DEPOIS DA PARTIDA DE UM AMIGO



para o teólogo Pastor Alfredo Rosendo Machado


Um Homem e a sua Bíblia, portador
de águas vivas,  um cântaro nas mãos
com a sua camisa branca
confunde-se já com o horizonte, longe
a sua voz  ainda está nos nossos ouvidos
Foi forte como um irmão maior
entre os irmãos,  partiu por causa da ciência
ainda não descoberta da morte
morreu com vontade do Céu.

24-06-2014

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Friday, June 20, 2014

A COROA


(Annibale Carracci, óleo s/tela, 1585)



Repouso a minha cabeça para a coroa
de espinhos, ostentarei
o silêncio da flor envergonhada
com flechas no lugar das pétalas

Poderia no fim da vida
ter uma coroa que me amaciasse
a cabeça, mesmo que o reino fosse pesado
uma coroa limpa

Mas não, eu não poderia suportar uma coroa
que esmagasse em mim o meu amor
escarlate pelo mundo
para ter um reino na terra, se assim fosse
teríeis outras razões para a minha morte. 

20-06-2014

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Thursday, June 05, 2014

O MURO DE LAMENTAÇÕES

(Foto da Web: mulheres junto ao Muro)



É o som dos sapatos que se ouve
para não acordar os mortos, o silêncio
envolve os murmúrios
Os carros passam longe, noutra civilização
Mãos e orações trocam papéis com as pedras
as pedras conseguem há milénios
guardar tudo
o que diz o povo com a cabeça rente ao muro.

05-06-2014

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Tuesday, May 20, 2014

BANCOS VAZIOS



Em cada fila de bancos vazios, houve cultos
vazios
há histórias do passado, grandes momentos do coração
raramente
os bancos desabitados
ouvem certezas inabaláveis, muitas
palavras ditas ainda a  tempo.
Escondem-se nas cinzas os lumes antigos.

Em cada espaço que um corpo ocupou
há o lugar da solidão,  Deus vê
as lágrimas que caíram um dia
os olhos de Deus, que amam demoradamente
tocam os lugares, mesmo sem ninguém
procuram o homem.

20-05-2014
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Sunday, May 04, 2014

EPODO AO SALMO 139


a J.T.Parreira, com amizade, solidariedade poética e votos de saúde


Alguém lá em cima gosta de mim
alguém lá em cima tem colo de ouro
e braços de estrelas
para os meus cansaços

posso estar no chão e os meus pés
pisarem os céus e os ínferos dos mortos
pode não sobrar de mim mais do que
a voz que grita a ocidente e a oriente
e Alguém aí está e gosta de mim

posso não ter mais do que algas podres
em vez de mãos um seixo túrgido
em vez de uma canção que se atira
contra os tremores de ventos e marés

que claro e imperceptível é
que, ao mostrar-se treva luz,
Alguém gosta de mim

Rui Miguel Duarte
03/05/14

Sunday, March 30, 2014

O ENCENADOR




No princípio ouviu o seu próprio silêncio.
Não havia terra nem estrelas onde pousar a sua luz.
A sala estava vazia, não havia Rosa dos Ventos
para espalhar o seu olhar, as suas mãos
de fazedor eram a voz

E disse “Haja luz”, e tudo
começou a ser jovem, as palavras, as aves e os rios,
a juventude das fontes trazia as águas novas,
a claridade dos sons,
das ervas e das árvores,
a ascensão das flores do chão.

Sentado no palco na sua eterna sarça
olhava a multiplicação do respirar dos homens.

Agora o tempo atravessava a noite
e o dia, que vinha do sol para aquecer os rostos.
E viu Deus tudo e disse que era bom.

30-03-2014

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Sunday, February 23, 2014

EPITÁFIO DE UM JUDEU EM TREBLINKA




Estou aqui e a cinza não morreu
é como o pó
que regressa às mãos divinas

Por que tive de ser um Judeu
dentro de um sobretudo preto e depois esquecer
 os salmos, presos pelo fio da fome ?

Vendi o meu violino numa rua no gueto
e  ninguém pôde prometer nada
ao outro, nem sequer Deus.

23-02-2014
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Tuesday, January 07, 2014

Uma Ética Pré-Cristã em Píndaro

Uma Ética Pré-Cristã em Píndaro


" Píndaro, o maior poeta lírico da Grécia no séc V a.C., representa o lirismo que impõe valores éticos na poesia a fim de serem seguidos em excelência pelos homens.
A sua lírica coral perorava poeticamente sobre o que o poeta considerava excelência dos vencedores dos jogos pan-helénicos, celebrava com odes triunfais não só quem vencia, mas os valores que se traduziam a partir das vitórias, que eram cantados e se espalhavam dos seus poemas para a música.
Na Grécia clássica celebrava-se a luta (àgonía / ἀγωνία ) individual, não havia jogos colectivos, nem vitórias em equipa, a honra ou desonra era individual,  mas os pensamentos do lirismo de Píndaro ajustavam-se, sobretudo, à humanidade, ao colectivo dos homens."


Para ler na íntegra aqui http://www.apologetica.pt/