Monday, December 07, 2015

CARLA JÚLIA, A POESIA (DITA) EVANGÉLICA EM MAPUTO




3 POEMAS


Calvário

Vamos juntos
Subamos as escadas do vento
E deixemos os pés sobre as águas.
Vamos logo
Sobre a terra passar o teu cheiro
As tuas túnicas
deixemos às almas dos homens.

Tomé

Tive a voz presa
Em grilhões de dúvidas
Da cruz, o silêncio
Entrou em sintonia com a fé
Só me sobram estes olhos
Para crer nos cravos da Palavra.

As bodas

Diz-me oh espelho
Que vêem os teus olhos
Drenarei o meu corpo nestas saias?
Ou me lançarei nos braços
Do meu vestido de neve?


 ©  Carla Júlia, Maputo

Monday, November 23, 2015

MAGNIFICAT



A minha alma é a alma de mãe aflita, Senhor
O meu espírito derrama-se nos meus olhos
Na minha humildade nada posso fazer
Senão contemplar um Filho morto, seus braços
Perderam a força, e ainda assim derrubará
Dos tronos os poderosos, suas mãos presas
Nos cravos, hão-de encher ainda de bens os famintos
Mas todo o meu útero órfão estremece sem Ele
Pudesse eu, sua serva e mãe, a minha vida
Estaria no seu lugar.

22-10-2015

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Friday, October 09, 2015

O QUE DISSE UM DOS MALFEITORES






A caminho da morte não falou,  a sua boca
reservava-se ao silêncio divino,  dentro da alma
chorava talvez. Assim vi o melhor espírito de Israel
consumido pela dor
numa cruz, vestido do seu próprio sangue
atravessando  o coração do Pai.
Ao meu lado a arrastar a voz ferida
a deixar no ar palavras de perdão.
Digo
aquela cruz não era para um Deus, eu que sou
um malfeitor a quem  Ele deu uma rua de ouro
no Paraíso.

08-0-2015

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Monday, September 07, 2015

A MÃE




Os filhos não são um eu separado das mães
Com elas ao nosso lado nós tínhamos
Um útero, um cordão
De ouro invisível, com elas ao nosso lado
Sabíamos a origem das coisas, de onde viemos
Do seu ventre encanecido, com rugas brancas
Como os cabelos, com as mães ao nosso lado
Nós tínhamos uma certidão de nascimento.

05-09-2015
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Saturday, August 15, 2015

SALMO 150 PARA HARPA E ORQUESTRA






São os dedos que louvam, procuram entre as cordas
A linha que separa o céu e a terra, um fio
De água pura que sai do sopro das flautas.

Dai-me uma harpa doce e com ela sararei
Os ouvidos nas paredes do templo,
Um dulcimer cristalino

Que na subtileza do som é um castelo forte,
Para afastar os inimigos que minam a alma.
Dai-me o brilho dos olhos dos irmãos

Quando ungem os seus lábios num cântico.
Daí-me címbalos retumbantes
Com eles racharei os muros do silêncio.

29-05-2015
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Sunday, June 21, 2015

"DEUS NÃO É CALVINISTA..."






DEUS não é calvinista, se fosse o Filho teria cometido um erro ao afirmar o que está escrito no Evangelho de João, 3,16.

Deus também não é arminiano, senão havia um erro na pregação de Paulo, no que escreveu aos Romanos, 3,23


Seja como for, o Arminianismo tal como o Calvinismo, Calvino e Armínio são muito tardios.

Deus já cá estava. ©







Friday, June 19, 2015

DEPOIS DA VIAGEM


(Murillo, "O regresso do Pródigo",  Sevilha, 1618-1682)




E, ao recebê-lo em casa, começaram as festas.
Os vestidos  retomaram a alegria das cores, há muito
Tempo tristes, um anel no dedo ilumina
As mãos escurecidas,  brilhantes sandálias
Preparam-se para caminhar
Nas nuvens,  o bezerro que estava a engordar
É a celebração, porque um filho chegou
Pelo caminho do regresso, ah o Pai
É a derradeira solução.

19-06-2015.
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Sunday, May 10, 2015

SHOAH




os faraós não o fizeram
os babilónios também não
queriam apenas que cantássemos canções
dos nossos pais, os judeus

teríamos um papel único na morte ocidental
os judeus iriam deixar de existir, gritavam
nas praças do ódio as multidões
no dorso dos cavalos das Valquírias

ficariam apenas os vestígios
dos nossos óculos cegos, dos cabelos
emaranhados de Medusa

e dos  sapatos como um monte de Sião
o nosso coração já não teria mais espaço
onde repousar  todos os mortos

10-05-2015

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Saturday, May 02, 2015

CRIME AMBIENTAL





 Anjos perdidos nas ruas das grandes cidades
Eles caminham para o fundo
Desembarcados dos barcos da fome
Com seus rostos, seus pés rotos, suas histórias
De uma cor apenas, seus braços
Enrugados com  veias expostas
À tempestade, suas unhas sujas
De procurar comida e alguns
Problemas nas ruas das grandes cidades
As frases que mais conhecem
Em qualquer língua, têm sempre um não.



13-03-2015

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Thursday, April 16, 2015

A MEDIDA





Não existe medida para o desespero...
Não existe maior ou menor,
Mais ou menos denso,
Mais ou menos acutilante.
Simplesmente, desespero...
Exalo o fôlego do último respirar
Que me adormece o corpo finalmente.
E quando inclino a minha cabeça,
Entrego nas Tuas mãos o meu ser.
Vejo toda uma obra consumada,
Todo um desespero esmagado,
O sufoco do pecado que os constrange foi desfeito!
Não doem mais os cravos, nem a coroa de espinhos me perturba.
Os risos de escárnio soam como as melodias do Céu,
Porque sei que esmagada está a víbora que me mordeu o calcanhar.
E o que lhes deixei, o que lhes deixo, o que lhes vou enviar,
Faço por causa do nosso amor por eles.
Não existe medida para o amor...
Não existe maior ou menor,
Mais ou menos denso,
Mais ou menos acutilante.
Simplesmente, ama-mo-los.

14/04/2015
© Ricardo Mendes Rosa


Thursday, April 02, 2015

DOIS POEMAS DO CICLO DA PAIXÃO









PILATOS DIRIGE-SE AOS JUDEUS - IV


Eis o homem
que chegou aqui pelo valor mais baixo
que às vezes tem o beijo, o da traição
Este que chegou a golpes de chicote pelo corpo
e pelas faces em silêncio que oferecia
às bofetadas. Este que chegou aqui 
pelo crime de ser Deus
com uma cruz difícil sobre as costas.

02-04-2015
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SALMO XXII NA CRUZ -III

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Salmo 22, 1


Coroado de sangue sem nada neste mundo
nenhum lugar agora é meu, reino
ou casa chamada de oração, nenhuma Nazaré
que amei e não me amou, agora
nem este monte do Calvário me pertence
a Cruz é a minha pátria, deixo cair sobre mim
toda a Humanidade.

01-04-2015
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Thursday, March 26, 2015

HINO À LOUCURA


Poema de Ricardo Mendes Rosa


Vivemos a vida de pernas para o ar,
sem ânsia de comer, de beber ou gastar.
Confiamos no ganho da providência,
procuramos morrer todos os dias
e viver eternamente.
Não vivemos pela força, nem pela arma,
procuramos ser como ovelhas simples.
Damos a cara à mão, tanto para o afago,
como para a injúria que levantam contra nós.
Somos simples na maneira de viver,
prudentes e sinceros.
Não vivemos para nós mesmos, como
quem esculpe uma imagem e se auto adora nela.
O mundo não é a nossa casa, nem a carne a nossa roupa.
A morte não é a nossa prisão, nem a doença a nossa cela.
Vivemos a vida de pernas para o ar,
na ânsia de algo que há-de acontecer.
Vivemos a vida e morremos,
na certeza de que para nós, morrer é viver.


28/02/2015

Monday, February 09, 2015

O que cantou a Sulamita a propósito do seu Amado



Era uma vez o meu amado como uma macieira
o meu amado era distinto
entre as árvores do bosque,  jovem
a sua sombra ali estava contra os invisíveis
raios solares. Era uma vez o meu amado
como um fruto doce que derramava
frescura no meu paladar.

Ali estava o meu amado, era uma vez com passas na mão
e maçãs como um rubro engaste
Era uma vez o meu amado a acenar ao longe
com o vento nos seus braços, era uma vez
com um perfume que chegava nas mãos, o seu amor
ao redor dos meus cabelos como um laço.


 21-09-2014

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Saturday, January 10, 2015

O PERIGO DE TER “UMA OPINIÃO”




Ter uma “opinião” anti-semita, anti-islamismo,  anti-catolicismo romano ou anti-protestantismo, apesar da face aparentemente benévola de “uma opinião”, é um caminho que pode deixar de ser inofensivo.

Uma opinião pode transformar-se em acto.  A Europa desde séculos remotos tinha uma”opinião”, exempli gratia,  contra os judeus.

Nós por cá também e contra os Mouros e, por que não?, contra os protestantes..., mas hoje com a nossa proverbial hipocrisia somos todos “Isto e Aquilo”, mesmo que não percebamos o que é “Isto” e “Aquilo”.

Jean-Paul Sartre escrevia que, a propósito do anti-semitismo em França, a palavra “opinião” fazia sonhar… Tal sonho, à luz da História do século XX, não iliba os franceses nem o seu silêncio quando os judeus de França, designadamente de Paris, começaram a ser presos e deportados no início da década de Quarenta, e não era preciso ser colaboracionista nem apoiante de Vichy para tanto, bastou ter uma “opinião” e fazer silêncio. 

O mesmo Sartre, sempre lúcido, escreveu nsobre a chamada República do Silêncio. E, de igual modo, nas suas “Réflexions sur la question Juive”, de 1954, não deixou pedra sobre pedra sobre o anti-semitismo francês, no que lhe concernia como francês, e a perigosidade de ter “uma opinião” anti-semita pelo menos.
Na obra acima referida, escreve “Au nom des instituitions démocratiques, au nom de la liberte d’opinion, l’antisémite reclame le driot de prêcher partout la croisade anti-juive.”  (pág.8).

As “opiniãoes” anti-qualquer coisa são sempre perniciosas, podem acabar em Auschwitz ou Dachau ou na Prisão de Guantánamo de cores modernas. ©